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Textos de amigos e músicos do artista.

Aos 60, Edu Lobo tem sua obra revista

Hugo Sukman

O mundo espantou-se quando Mick Jagger fez 60 anos, seu rosto singrado por rugas era o espelho assustador de uma geração sinônimo de “juventude”. Envelhecer só acontece a jovens. E Mick Jagger é jovem, daí o terror de suas rugas.

Edu Lobo fez 60 este ano. Nada a espantar, é apenas uma idade. E antes que a comparação pareça despropositada – e que venha a tentação de confirmar o clichê de que enquanto a obra dos Rolling Stones é esteticamente datada, símbolo de uma época, velha, portanto, a de Edu é atemporal, eterna, insiste na juventude – basta lembrar a maturidade grave do compositor Edu Lobo quando, aos 22 anos, lançou seu primeiro disco, o de “Canção do amanhecer” e “Arrastão”. Ou do ímpeto, digamos juvenil, do mais recente, o musical “Cambaio”, realizado aos 58.

Essa reflexão vem a propósito da coincidência do relançamento em CD, aos 60 anos de Edu, de quatro de seus LPs. “Edu e Bethânia” (1966) e “Cantiga de longe” (1970) estão no inestimável pacote de 20 CDs do heróico selo Elenco, relançados pela Universal com produção de Charles Gavin. “Edu” (1967), o segundo solo do compositor, também ganha cuidadoso relançamento da gravadora Dubas, de Ronaldo Bastos. E, de forma independente, para acompanhar a excursão de comemoração de 20 anos do balé, Edu e Chico Buarque relançaram o disco mais bonito do século (como disse Aldir Blanc), “O Grande Circo Místico” (1982). Não só com quatro instrumentais inéditas gravadas no ano passado como com uma desencavada gravação de “Beatriz” por Tom Jobim.

O novo CD d”‘Circo” traz as dez canções do balé nas gravações originais orquestradas por Chiquinho de Moraes: de Milton em “‘Beatriz” a “Na carreira” pelos autores, Edu e Chíco, passando por belezas como Jane Duboc em “Valsa dos clowns’, Tim Maia em “A bela e a fera”, Gil em “Sobre todas as coisas”, Zizi em “0 circo místico”…

Mas é nas instrumentais inéditas em disco que está a novidade. Há dois tipos de peças instrumentais n'”O Circo”: as variações das canções com letra, como “Dança de Lily Braun”, na verdade um arranjo furioso para big band a partir da melodia de “A história de Lily Braun” cantada por Gal Costa; e temas independentes como a nino-rotiana “Abertura do circo” (já no LP original) e as inéditas “A dança dos banqueiros” (densa e tensa, calcada em cordas e tímpanos) e “A levitação” (leve e lírica, violão e cordas). Escrita em 2002, a jazzística “O anjo azul” traz um improviso milesiano (da fase cool) de Marcio Motarroyos sobre base harmônica de Edu, que resulta climática e inovadora.

Mas nada supera “Beatriz” por Tom. Seu piano não propriamente tocado, mas acariciado, eleva um dos mais belos temas de Edu ao essencial, num curioso contraponto à interpretação dramática de Milton. E tem o fato histórico de existir gravação de Tom tocando um clássico de Edu, mais uma vez o mestre reverenciando o pupilo. No songbook de Edu, Tom escreveu: “Eu te abençôo em nome de VilIa-Lobos, meu pai, teu avó”, deixando claro quem era o seu sucessor estético.

Em 1966, novidades para se diferenciar da bossa nova

Mas, em 1966/67, tudo que Edu queria era de certa forma diferenciar-se de Tom, ou melhor, levar a qualidade musical de Tom e da bossa nova para novos caminhos. “Edu e Bethania” é típico dessa fase de transição e afirmação de uma personalidade artística. Dividindo os microfones com a também iniciante Maria Bethãnia, Edu mostra desde sambas ainda bem bossa-novistas como “Candeias” e “Só me fez bem” (primeira parceria com Vinicius), a canções que apontavam três caminhos de sua música: o épico, normalmente em música feita para o teatro, caso de “Upa neguinho” e “Sinherê”, ambas do “Arena conta Zumbi”, com Guarnieri; o da influência nordestina, como em “Cirandeiro”, com Capinam, e “Lua nova”, com Torquato Neto; e, principalmente, o das canções de harmonias trabalhadas e melodias sublimes, caso da obra-prima “Pra dizer adeus” e de “Veleiro” (ambas com Torquato), e de “O tempo e o rio” (com Capinam, hoje emblema de Bethânia’).

“Edu”, pouco conhecido disco de sua fase pré-“Ponteio”, é, como dizer, espetacular. Não só por trazer repertório menos badalado -“Rosinha”, “Dois tempos” e “Chorinho de mágoa”. letras de Capinam, “Jogo de roda” e “Catarina e Mariana” com Ruy Guerra, a “Embolada” do “Zumbi” – como por marcar a estréia de Edu como orquestrador (em “Rosinha” e “Dois tempos”), dividindo a função com seus três mestres na função, Luiz Eça, Gaya (que cordas em “Corrida de jangada”!) e Dori, que faz aqui o arranjo original do “Canto triste”, de nítida influência de Gil Evans, como ressalta Edu no texto que acompanha o CD, sopros escritos como cordas.

Em “Cantiga de longe” o clima é outro. Gravado em Los Angeles, onde Edu estudava música, é mais experimental, com a definitiva participação de meio Quarteto Novo, Hermeto Pascoal (piano e flautas) e Airto Moreira (percussão). E mais triste, com a linda melancolia de pensar um Brasil doce enquanto no Brasil real a ditadura comia solta. Daí a tão brasileira complexidade harmônica que não esconde a beleza simples da trilogia sem letra “Casaforte”, “Águaverde” e “Zanzibar”. De uma de suas grandes incursões no gênero “Frevo de Itamaracá”. Da versão torta da marchinha “Zum-zum” (do pai, Fernando Lobo). Do também modernizado “Rancho do ano novo” (com Capinam). Dos ousados em termos harmônicos “Marta e Romão” (com Guarnieri) e “Cidade Nova” (com Ronaldo Bastos), influenciados de certa forma pelo furacão Milton Nascimento. Na canção-de-exílio, “Cantiga de longe”, letra de Edu dizendo ter “no peito a certeza antiga sem parar/De um dia te encontrar”. O Brasil, que ele reinventava moderno ali, ao lado de Hermeto.

Quando Mick Jagger fez 60 anos, foi um escândalo. Dos 60 de Edu, ao contrário, como na história do Grande Circo Knieps do poema de Jorge de Lima que inspirou o Circo Místico, “muito pouco se tem ocupado a imprensa”. Faz sentido.

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