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Textos de amigos e músicos do artista.

Noites do Patachou

Eric Nepomuceno

A memória não guardou nenhum registro do nome do bar. Ficava, em todo caso, exatamente ao lado da TV Record, em São Paulo, num tempo em que a avenida Consolação tinha uma pista só e os programas de música popular brasileira eram, na televisão, o que anos depois viriam a ser as telenovelas: dominavam os melhores horários e abrigavam uma audiência cativa e gigantesca.

Havia programas para todos os gostos, de Roberto Carlos e sua enorme turma a Elizeth Cardoso e Ciro Monteiro com um grupo de mestres veteranos, passando por Geraldo Vandré e sua música de raízes nordestinas e chegando a Chico Buarque, Nara Leão e seu programa da nova geração.

Era abril ou maio de 1967 e fazia um frio sem graça, amostra precipitada de um inverno ameaçou muito mas acabou sendo como outro qualquer.

Edu Lobo chegou ao bar vestindo suéter amarelo e calça marrom. Havia retornado de uma temporada européia, mas a elegância precisa e discreta parecia tão natural que era como se ele já estivesse saído do Brasil vestido daquele jeito.

Eram todos absurdamente jovens. Edu Lobo não tinha feito 24 anos, Chico Buarque ainda não tinha passado dos 22.

Ele chegou, sentou, conversou, apanhou o violão e mostrou duas músicas novas: Catarina e Mariana, com letra de Ruy Guerra, e No cordão da saideira. Quando Edu foi embora, o MPB-4 disse, em uma só voz: “Vamos gravar esse frevo, correndo.” Sucesso garantido. Chico disse que gostara das duas músicas, mas preferia a outra, Catarina e Mariana.

Fiquei impressionado por duas coisas: primeiro, pela seriedade de Edu Lobo. Tinha o jeito de ser muito mais velho que todos nós, e principalmente parecia mais velho do que verdadeiramente era. E, além disso, me impressionou o peso do respeito com que fora tratado ali.

Afinal, aquele era um bar de músicos, num começo de noite de gravação de programa de música. Além de Chico e dos rapazes do MPB-4, havia naquela mesa uma moça de olhos grandes, sorriso sem fim, cabelos curtos e vestido mais curto ainda, que se chamava Maria da Graça e que pouco depois o país se acostumaria a chamar de Gal Costa.

Pouco antes de Edu, passara pela mesa Baden Powell, que com delicadeza de namorado atento experimentou o violão que Chico havia comprado na Espanha. Desfilou algumas músicas, elogiou a sonoridade do instrumento, o desenho e o formato do braço, e deixou em nós a nítida impressão de que fôramos abençoados por um momento de sorte: Baden Powell experimentando um violão era um privilégio. Além dele, Gilberto Gil também passou pela mesa: vestia um terno cinza, gravata escura e fininha, e carregava na mão a inevitável pasta de quem ainda era funcionário de uma empresa de cosméticos.

Mas naquele passar, Edu Lobo parecia diferente, um tanto a margem; naquele 1967, já tinha uma história para contar e uma obra para mostrar. Havia sido parceiro de Vinicius de Moraes, escrevera várias músicas com Ruy Guerra, fizera a música de Arena conta Zumbi e muito mais. Era um camarada sério, e deixou em mim a impressão de que vivia um tanto longe daquilo tudo. Como se, além do suéter amarelo e da calça marrom, vestisse também uma espécie de escudo que permitia que se aproximasse de todos sem perder uma certa distância, uma determinada solidão. Sem arranhar uma certa intimidade.

Num domingo de 1994, por volta do meio-dia, passei pela casa de Edu Lobo em São Conrado, no Rio. Levei um livro de contos de Scott Fitzgerald que ele havia pedido emprestado. Dois dias antes, conversamos durante um bom tempo sobre contos e contistas, a obra curta de tensão perene. Encontrei-o no estúdio, numa estranha meia-luz em pleno meio-dia, ouvindo Debussy e lendo, atentamente, a partitura da música que ouvia. Edu diz que assim – lendo o que ouve – tem na música outra dimensão, outro tipo de prazer, outros vôos.

Minha primeira sensação foi a de estar interrompendo um instante de solidão. Mas entendi, de imediato, que o que estava sendo interrompido era algo mais: era um momento de intimidade.

 

Carrego comigo, ao longo dos anos, a confirmação daquilo que senti em meu primeiro encontro com Edu Lobo: por trás do ar sério perambula uma certa timidez, e ele mantém uma determinada distância que é, na verdade, uma defesa. Tudo isso – distância, defesa – acaba desmoronando quando se ouve a música que ele faz: torna-se evidente, então, que ele mergulha num mar sem fundo, com a alma à flor da pele. Senão, basta conferir em músicas como Beatriz, Valsa brasileira, Abandono de Rosa ou Canto triste: mesmo esquecendo (se é que isso é possível) as palavras de Chico Buarque para as três primeiras e as de Vinicius para a outra, o que emerge são melodias desgarradoras, que se impregnam com suavidade na memória, para sempre.

 

Em 1972 Astor Piazzolla estava no Rio e quis conhecer Edu Lobo. Tarde da noite, liguei para o apartamento onde Edu estava morando, no Jardim Botânico. Chegamos lá pouco depois das onze e estávamos ainda nos acomodando quando o ar foi tomado pelo inconfundível cheiro de borracha queimada. Edu e sua mulher, Wanda Sá, correram para a cozinha, onde enfrentaram o desastre: a água da panela onde estavam sendo fervidos os bicos da mamadeira de Bernardo, recém-nascido, havia evaporado. No fundo da panela havia uma pasta de borracha derretida. Sentado na sala, Piazzolla achou aquilo tudo muito divertido. Depois ouviu músicas de Edu, cantadas por ele e Nana Caymmi, que insistia com o dono da casa: queria cantar Pra dizer adeus em fá, Edu fazia o acorde, ela insistia: “Em fá, Edu, em fá.” E Piazzolla, rindo, comentou: “Esse aí é um fá.” Edu completou: “No meu violão só tem esse…”

Pouco depois da uma da manhã, voltando para o hotel, o mestre argentino comentou: “Que bárbaro és Edu Lobo.”

Em dezembro de 1986, o compositor cubano Silvio Rodríguez contou, num jantar em Havana, um de seus desejos: fazer algum trabalho com Edu Lobo. Voltei ao Brasil e consegui reunir mais de quatro horas de gravação de Edu, que despachei para Havana.

Três anos depois, Silvio continuava insistindo: “Algum dias”, dizia ele, “vou conseguir fazer algum trabalho com Edu Lobo.” E repetia: “É incrível como ele acerta. ”

Creio que isso se repete onde quer que um músico – sobretudo um bom músico – ouça o trabalho de Edu Lobo. Com o passar do tempo, entendi a reação de quem estava naquela mesa de bar, no longínquo ano de 1967: há um respeito palpável pelas suas músicas. Claro que existe, entre artistas de qualquer área, um espírito de competição, de emulação, e muitas vezes trata-se de algo sadio. Uma troca de estímulos. No caso da geração de ouro da música contemporânea feita no Brasil, o que percebo é que, em relação ao trabalho dele, existe, na maior parte das vezes, uma considerável dose de sincera admiração, além do respeito.

Surgidos e crescidos numa mesma época, ele e Chico Buarque demoraram anos até o primeiro trabalho conjunto – Moto-contínuo, de 1981. De lá em diante, essa parceria tornou-se intensa e gerou um generoso punhado de maravilhas. Nunca toquei no assunto com nenhum dos dois, mas tenho a impressão que o encontro se deu a partir do momento em que eles superaram as distâncias criadas pela timidez mútua e puderam romper o tal escudo que parecia isolar Edu Lobo.

O resultado é um conjunto de quase três dezenas músicas, quase todas escritas por Edu e Chico para balé e teatro, e que inclui alguns dos mais recentes clássicos (ou candidatos a) da música brasileira contemporânea, como Choro bandido, além de Valsa brasileira e Beatriz.

Num sábado de julho de 1994, falando sobre o trabalho dos dois, Tom Jobim foi claro: “Esses são os meus meninos, meus filhotes”, disse com evidente orgulho, sem levar em consideração que cada um desses meninos é dono de uma vasta obra e anda pela casa dos cinqüenta.

Edu Lobo faz parte daquela sucessão de gerações de crianças e adolescentes criados ao vapor da música, e num tempo em que as rádios tocavam uma variedade enorme de estilos vindos de inúmeros países. Um tempo de música não-pasteurizada. Havia Elvis Presley, Pat Boone, mas havia também Cole Porter, Sammy Cahn, a dupla Rodgers & Hart. E mais: música italiana, música francesa, música hispano-americana, música brasileira. Certo dia, acompanhou a aparição de algo que mudaria todo esse panorama: a Bossa Nova.

Impossível apagar algumas características básicas dessa geração da música brasileira (a que surgiu depois da bossa Nova, e que trouxe nomes como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque e Milton Nascimento, para ficarmos apenas em quatro): é preciso recordar, em primeiro lugar, o cenário em que ela apareceu. Todos os seus integrantes receberam uma considerável carga de informação e foram permeáveis a uma ampla variedade de influências. Além disso, e este é um aspecto fundamental, essa geração consolidou-se em estreito contato com outras áreas da criação: cineastas, dramaturgos, diretores de teatro, atores e atrizes, artista plásticos, escritores, jornalistas. Eram consumidores da produção cultural, por certo. Mas conviviam com outro produtores de arte, num clima de permanente ebulição, e num país efervescente.

Nesse quadro, Edu Lobo foi um divisor de águas. Rompeu a linhagem direta dos filhos da bossa nova e buscou uma linguagem pessoal, renovada e inovadora. Fez isso com uma precocidade impressionante: aos 19 anos era parceiro de Vinicius de Moraes, aos 22 gravou um disco reunindo uma fileira de temas marcantes, aos 23 ganhou o primeiro festival importante de música brasileira com uma música que, ao mesmo tempo, ajudava a consolidar o lançamento de uma cantora que marcaria época: Arrastão, letra de Vinicius de Moraes, na voz de Elis Regina.

Nesse longo período – que vai dos tempos de Arrastão e das músicas de Arena conta Zumbi até 1968, com Memórias de Marta Saré, passando pela explosão de Ponteio e Casa Forte – Edu Lobo foi mais que um sucesso permanente: foi autor de músicas permanentes, extremamente pessoais, inseparáveis de um panorama cultural amplo e definidor.

Há uma curiosidade nisso: o sucesso não era propriamente dele, era de suas canções. Até onde me lembro, Edu Lobo nunca foi um compositor que cantasse para grandes públicos. Preferia ambientes menores, espetáculos em pequenas casas noturnas que esgotavam sua lotação semanas a fio. Na voz de outros intérpretes – principalmente Elis Regina – suas canções vendiam dezenas de milhares de cópias e eram apresentadas para públicos gigantescos. Na voz de seu autor tudo ficava restrito a ambientes menores. Porque também nesse aspecto ele não mudou nada ao longo dos tempos: continua detalhista ao extremo, continua de uma exigência sem fim, quando se trata de seu próprio trabalho.

A vida do cantor, como ele diz, rendeu frutos evidentes. A maratona, porém, terminou no exato instante em que Edu percebeu que podia, partindo de uma base mais ou menos sólida, viver de seus direitos como compositor. Cantar deixou de ser ganha-pão, passou a ser opção. Um dos resultados dessa escolha foi ter de ouvir, até hoje, a mesma pergunta: por que você sumiu? A resposta não varia: diz que não sumiu, que suas músicas continuam aí. O que sumiu foi a sucessão de apresentações do Edu Lobo cantor.

Aliás, um cantor que teve um início curioso: a primeira vez em que ouviu sua própria voz gravada foi num velho Gründig, vetusto e complexo aparelho doméstico cheio de luzes e com dois grandes rolos de fita. Cantava Only you em ré maior. Aconteceu há 35 anos. Detestou. Não há nenhum outro registro de sua voz cantando Only you, em ré maior ou em qualquer outro tom.

 

Ponteio havia ganhado o Festival da TV Record em 1967 e no ano seguinte foi a vez de Memórias de Marta Saré. Ficou em segundo lugar, após uma estratégica e mais-que-suspeita mudança do júri, receoso de dar o mesmo prêmio dois anos seguidos ao mesmo autor. Em troca, obteve o prêmio de melhor arranjo. Ficou mais feliz: aquele foi seu primeiro trabalho como arranjador.

A música fez sucesso imediato. Aos domingos, Edu Lobo, que estava morando em São Paulo, ia jogar futebol na casa de um diretor de televisão, perto da Cidade Universitária. Uma pequena platéia se reunia, mais para se divertir do que propriamente para apreciar a parca perícia dos jogadores. O violonista Toquinho repetia a mesma cena: cada vez que perdia uma bola óbvia ou levava um drible humilhante saía capengando e justificava a falha com gritos de “Distensão, sofri uma distensão!”. Após duas ou três partidas, e sentindo o clima da platéia, Edu resolveu entrar na bagunça: passou a aparecer com uma tosca e absurda touca feita com uma meia de mulher, caricatura perfeita dos peladeiros de subúrbio. Não tinha nenhum talento especial, é verdade. Mas arrancava divertidos gritos de incentivo de uma platéia sempre pronta para o deboche: “Dá-lhe, Marta Saré!”, gritavam os cruéis cada vez que ele conseguia algum domínio e um arremedo de avanço com a bola em campo.

De quarta a domingo, as noites da Blow-Up, uma pequena casa noturna que ficava no subsolo de um prédio da rua Augusta, botavam gente pelo ladrão. Edu Lobo, acompanhado pelo estupendo Quarteto Novo e pela cantora Gracinha Leporace, desfilava seu trabalho, numa sucessão de impacto que terminava, invariavelmente, com Marta Saré. Naquele campo específico, seu domínio e seus avanços eram definitivos.

Dizer que sua vida gira só ao redor da música seria um exagero gritante. O que acontece com ele é ter a capacidade enorme de usufruir a música de maneira especialmente intensa.

Há muitos anos, e na volta de uma das viagens aos Estados Unidos, trouxe um disco de Miles Davis, chamado Bitches brew. Duas ou três vezes me convenceu, no apartamento do Jardim Botânico, a ouvir o disco inteiro. Estava tomado por um entusiasmo que eu nem de longe consegui ter por aquele disco. Levei anos para confessar essa falha a ele porque – na época da descoberta do disco – senti que minha confissão poderia ser tomada como uma espécie de blasfêmia.

Freqüentador assíduo de cinemas, discute filmes passando por aspectos não muito comuns. O som, por exemplo. Não apenas a música: o som.

Ouvir um disco acompanhando a música pela leitura da partitura ainda é, no Brasil, algo bastante incomum. Edu faz isso constantemente, mas tem um justificado receio de ser mal-interpretado. Afinal, ler música no Brasil ainda tem um ranço preconceituoso. E ouvir Stravinsky ou Debussy acompanhando pela partitura pode gerar um ar de esnobismo que, no caso, não se justifica.

Não é, porém, exagero algum dizer que, mesmo sem girar só ao redor de música, Edu Lobo vive empapado de música. Não é nenhuma limitação. É apenas um eixo, um poço, uma fonte perene.

Meticuloso em seu cotidiano, ele segue essa característica em seu processo de criação. A música de Edu surge a partir da harmonia: dos acordes acontece a linha melódica. É um garimpeiro da harmonia, pois é ela o veio da sua música. Ser meticuloso implica, no seu caso, ser detalhista; e, como conseqüência, ser extremamente exigente.

Todo esse rigor resulta num trabalho bem-alicerçado e construído em patamares elevados. Toda essa exigência cede espaço a uma sensação incomparável quando sente que acertou.

Foi preciso algum tempo, é verdade, para que eu entendesse que a impressão deixada naquele primeiro encontro numa mesa de bar – ter um jeito mais velho do que realmente era – tem outro nome: Edu Lobo foi, de muitas maneiras, o primeiro compositor de sua geração a atingir a maturidade em seu trabalho. E, além disso, sempre foi um sujeito com uma considerável tendência à seriedade. Não é, nem de longe, sisudo; é apenas sério.

Outras impressões foram se desvanecendo com o tempo. Por exemplo: o (falso) hermitão. É verdade que ele passa boa parte do dia no estúdio da ampla casa de São Conrado. Ali, tem à mão um piano, os violões, um sofisticado equipamento de som, uma quantidade indescritível de discos e fitas, uma máquina portátil de escrever, um bar cujo conteúdo é mantido discretamente afastado da eventual curiosidade do visitante. As janelas mostram a copa de uma jaqueira e, lá embaixo, ao longe, os edifícios que teimam em roubar a visão do mar.

Há, porém, mais recolhimento que isolamento. Os livros são consumidos em velocidade constante, discos são ouvidos e, principalmente, ali se dá a busca angustiosa dos acordes, do fio da canção. E de certa forma torna-se visível para mim, nas tardes em que conversamos sobre filmes e quadros e livros e músicas, e em que trocamos algumas lembranças, que somos muitos os que vivemos com uma permanente lacuna: deixaram de existir, em algum ponto de nossas biografias, os espaços coletivos de encontro. Alguma coisa se desfez.

Durante um importante período, os artistas de várias gerações viviam numa permanente troca de informações sobre seu trabalho. Essa troca de informações gerou não apenas uma vida de camaradagem, de grupo: resultou também em trabalhos conjuntos. Vivia-se intensamente um período político que tinha relação direta com a produção cultural. Havia uma espécie de sintonia.

O convívio praticamente diário entre artistas de diferentes áreas e gerações foi especialmente marcante para o que se fez no Brasil, sobretudo para os artistas que apareceram após a bossa nova (e até a época do Tropicalismo encabeçado por Caetano Veloso e Gilberto Gil). O próprio Edu Lobo é um nítido exemplo disso: ainda não havia gravado o seu primeiro disco e já tinha como parceiro Vinicius de Moraes; o contato permanente entre músicos e autores e diretores teatrais levou-o à trilha para a peça Arena conta Zumbi. Em seu início como compositor profissional, foi de fundamental importância para a sua formação o cineasta Ruy Guerra, autor de muitas das letras para músicas de Edu Lobo. O pessoal do teatro – Gianfrancesco Guarnieri, Augusto Boal, Oduvaldo Vianna Filho, Armando Costa – era outra fonte permanente de experiências. E havia, enfim, os outros músicos. Esse mundo exterior teve um peso decisivo no trabalho de Edu Lobo. Foi ele um dos melhores intérpretes, através de suas músicas, de um tempo renovador neste país.

Acredito que o melhor estímulo para Edu Lobo tenha sido sempre o convívio com seus pares – as pessoas. E quando a vida, as circunstâncias e o tempo terminaram, ou quase, com o ato de se encontrar, surgiu a tal lacuna.

Perdeu-se aquele espírito de grupo, aquela sensação de coisa contemporânea. É como se houvesse terminado um tempo marcado pela generosidade. Aquele tempo que, com dolorida e certeira sabedoria, o professor Antônio Cândido chamou, certa vez, de “os anos jovens”.

Não se trata de saudosismo: trata-se de uma constatação.

No caso de Edu, essa mudança ocorreu acompanhada pelo reforço de seu escudo, sua defesa. É um sujeito contido, tímido, mas que transborda na convivência com as pessoas e, acima de tudo, na sua música.

Sobre seus acordes ergueram-se músicas definitivas, continuam erguendo-se paredes cada vez mais sólidas, tetos de bem abrigar.

Às vezes, em nossas conversas no estúdio da casa de São Conrado, me surpreende a rapidez com que os escudos se desfazem e ele torna a ser o mesmo Edu inquieto das noites de um restaurante que se chamava Patachou. E ao ouvir o que ele anda compondo, qualquer um percebe, de imediato, que a alma profundamente brasileira de Edu continua com todo seu vigor. Transborda cheiro de terra, melancolias ancestrais, alegrias seculares. O garimpeiro das harmonias sabe o caminho das pepitas.

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