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Textos de amigos e músicos do artista.

Pegar o Corrupião à Unha

Tárik de Souza

Para alguma coisa serviu o cataclisma collorIdo. “Fiquei dez anos sem gravar, envolvido com projetos de teatro, mas quando chegou a coisa terrível que foi o Governo Collor para a cultura, fui voltando a fazer shows e a planejar um disco de intérprete.” A radiografia é de Edu Lobo, de novo no palco principal a bordo do disco Corrupião, que decola amanhã com um coquetel de lançamento no Jazzmania.

Após uma década de cordão da saideira, assinando trilhas teatrais como a instrumental de Jogos de dança, ou a poética O grande circo místico, em parceria com Chico Buarque (de onde saiu o clássico Beatriz), o solo de Edu leva o selo Velas, dos compositores Ivan Lins e Vitor Martins. “Preciso da total independência que eles me deram”, elogia Edu.

Tem participações especiais das cantoras Zizi Possi e Rita de Cássia mais um time instrumental de primeira, com a base formada por Gilson Peranzetta (teclados e arranjos), Nico Assumpção (baixo), Paulo Belinatti (violão), Teco Cardoso (sopros) e Jurim Moreira (bateria).

“Tudo foi feito com os músicos que considero os melhores. Ficou um trabalho do jeito que estava querendo”, afaga.

Mixado em Los Angeles (“isso foi uma necessidade e não um luxo”, avisa), Corrupião abre no instrumental da faixa titulo, chegada a um balão, bordada pelos violões de Edu e Belinatti (também na viola caipira) sob os sobressaltos das flautas (uma delas de bambu, reforça o ecossistema do tema) de Teco Cardoso.

O repertório mescla inéditas como Dos navegantes ( “foi feita na fase final do disco. Começa com uma espécie de mantra, que parece se repetir ao longo da canção”, comenta) e conhecidas como Choro bandido e Valsa brasileira, ambas assinadas em dupla com Chico Buarque e já gravadas por outros intérpretes. De uma mistura brincalhona em casa surgiu a fusão delicada do samba choro Falando de amor, de Tom Jobim, com o Prelúdio nº 3 de Villa-Lobos.

Já o Frevo diabo, composto há cinco anos, para uma peça de teatro, com letra de Chico Buarque, não nega a descendência pernambucana de Edu (filho do compositor Fernando Lobo, autor de Chuvas de verão). “Apesar de ser cantado, ele tem uma cara muito instrumental com os saxofones que o Teco Cardoso gravou em quatro canais”, define Edu. Mas também há sambas no disco, como o sincopado Nego maluco (uma suíte bem-humorada do clássico Nega maluca, escrito pelo pai, Fernando, com Evaldo Rui, em 1950) e o denso Ave rara, letrado por Aldir Blanc. “Sempre gostei desse tipo de samba mais moderno e sofisticado em harmonia e melodia”, admite ele. A rasante a vol d’ oiseau dos vários gêneros do cardápio de Corrupião não esconde o reflexo da última década polimorfa do retirado Edu. “No teatro, aprendi que é preciso invadir outros departamentos com o risco até de quebrar a cara, mas tem que vencer o desafio”, prega.

 

A caligrafia enxuta de um artesão sonoro

EDU quem? Apesar de sua apresentação em abril no Heineken Concerts e esporádicas temporadas em casas noturnas, é possível que muitos não liguem o nome de Edu Lobo à sua pessoa artística. Carioca a alguns dias de completar 50 anos, Eduardo de Gois Lobo iniciou-se no violão com Téo de Barros (co-autor de Disparada, com Vandré) e pegou a segunda fase da bossa nova, em parcerias inaugurais com Vinicius de Moraes (Balancinho, Amor de ilusão). Seu primeiro disco, no selo Elenco, foi dividido com o Tamba Trio de Luís Eça, assim que Elis Regina venceu 1º Festival da Música Brasileira, em Guarujá, na puxada de Arrastão, outra aliança com Vinicius. Edu logo conciliaria a carreira de melodista de alto refino (Aleluia, Reza, Borandá, Canção da terra, Chegança) com a autoria de trilhas teatrais como a de Arena conta Zumbi, de Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal, musicada por ele. Ás dos festivais (Jogo de roda, Canto triste, Ponteio, Memória de Marta Saré), Edu nunca derrubou o nível para a produção em série.

Vivendo em Los Angeles no começo dos 70 (onde gravou Lobo e Cantiga de longe), ele aprendeu orquestração com Albert Harris. Na volta ainda lançou clássicos como Vento bravo (1973), mas acabou preferindo o trabalho de bastidores das trilhas e musicais. Essencialmente acústico, Corrupião reata o fio da meada do autor de personalidade sóbria. Tanto nas canções lentas e tristes (magnífica a Sem pecado, com AIdir Blanc para a remontagem da peça de Nelson Rodrigues A mulher sem pecado), quanto na ferveção (Frevo diabo, Nego maluco), Edu destila a mesma caligrafia enxuta de artesão harmônicos, empenhado no design limpo. “Corrupião é um disco absolutamente brasileiro. Essa é uma característica que percebo com muito prazer e orgulho”, exulta.

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