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Textos de amigos e músicos do artista.

Artigo de Júlio Medaglia

Júlio Medaglia

“Houve um momento na música popular brasileira em que uma série de músicos jovens, insatisfeitos com a produção artística do rádio, disco e TV comerciais, passaram a se reunir em pequenos ambientes – apartamentos, boates, teatros – , para uma prática musical mais criativa. Nessa época, fim dos 50, conheceu-se no Brasil um dos raros procedimentos artístico-musicais underground cuja conseqüência seria, para os anos 60, o advento da bossa nova. Toda uma técnica de composição e execução musical evoluídas do jazz e da música clássica incorporou-se aos recursos usados para se fazer samba.

Aos poucos, ou melhor, muito rapidamente, aquela música sofisticada e de bom gosto foi sendo assimilada através de um número cada vez maior de espetáculos – até sua industrialização total pela TV. Se, nessa abertura para o grande público, a Record de São Paulo teve desempenho todo especial, uma figura de compositor foi a linha condutora de uma fase brilhante da música popular brasileira: Edu Lobo. Se a BN havia se caracterizado pela prática do detalhe e da linguagem camerística, segundo a bula rara e clara que nos deu João Gilberto, através do grito de Elis Regina, Edu Lobo iria explodir novamente o grande espetáculo musical. Se a BN, por suas próprias características básicas, tendia para o intimismo Zona Sul, a abertura musical de Edu e suas relações com o teatro naturalmente o levariam a fazer uso de material folclórico e temas épicos.

Neste aspecto ele concretizou, no âmbito da música popular, uma aspiração que toda uma série de compositores – entre eles Villa-Lobos, Guarnieri e Santoro – pretenderam realizar no terreno da chamada música “clássica”, desde o início do século. Do Arrastão ao Zumbi, do Ponteio a Marta Saré Edu desenvolveu toda uma técnica de tratamento do material folclórico a partir de uma visão urbana que em nada ficou a dever aos chamados “mestres” da música no Brasil. (Embora estes nunca tenham alcançado o mesmo sucesso, a não ser em casos isolados, como a Quinta Bachiana do Villa, gravada por Victoria de Los Angeles e Elizeth Cardoso, por Bernstein com a Filarmônica de Nova York e pelo Modern Jazz Quartet.)

Particularmente no trabalho de orquestração para Marta Saré, Edu veio reafirmar essa tese, na época endossada por outros dois “eruditos” que conosco faziam parte do júri de festival que a premiou: o pianista João Carlos Martins e o compositor Cláudio Santoro. Se os chamados “teóricos” o reconheceram como um criador, a sensibilidade popular brasileira também soube identificá-lo devidamente, sem suspeitar que ao consumi-lo estava elevando seus próprios padrões de audição musical.”

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