textos

Textos de amigos e músicos do artista.

Sopa de Feiticeiro nas Telas

Edu Lobo

I have always said that a bad film was never saved by good music, but an awful amount of bad music has been saved by a good film.

Jerry Goldsmith, compositor de trilhas dos Sand Pebbles, Alien, Planeta dos Macacos.

A cena se passa numa pequena sala de projeção, no início do século: as luzes se apagam, surgem na tela as primeiras imagens de um filme mudo e um pianista, de improviso, inicia a composição da primeira trilha sonora da história do cinema. Como um repentista, tendo a imagem como mote, o músico vai construindo a sua trama sonora, interpretando as situações do filme à sua maneira, decidindo sozinho e instintivamente onde, quando e de que modo executar a sua música. O efeito é surpreendente. A partir deste momento, todas as salas passam a ter pianistas contratados, não há mais filme sem música.

Alguns anos depois, percebendo que um novo mercado estava para surgir, alguns compositores passam a escrever, especialmente para o cinema, partituras para piano, para órgão ou para pequena orquestra, cujos títulos variavam em função das cenas mais comuns dos filmes da época: O Incêndio, Perseguição, Batalha, Cena de Amor, A tempestade etc. Um maestro, munido de sua coleção de partituras, é agora o intérprete e uma espécie de co-autor da trilha sonora. É ele quem seleciona os trechos musicais de acordo com as cenas, adequando-os às necessidades da ação dramática, modificando andamentos, durações, intensidades.

Com o cinema falado, tudo se modifica: a música, agora gravada, passa a pertencer fisicamente ao filme. Cabe ao engenheiro de som, o sonoplasta, a tarefa de utilizar material musical pré-gravado: música de climas (mood music) ou de concerto. Na mixagem das bandas sonoras (diálogos, ruídos e música), o sonoplasta “encaixa” a música nas cenas com o truque do fade-in/out, uma dinâmica artificial de botão de volume – abrindo o som (crescendo) no início da cena e fechando o botão (diminuindo) no final. Mas o método é primitivo, os equipamentos rudimentares e a música não saem ainda da sua modesta condição de background music. As “trilhas” feitas desta maneira não passam de enormes colchas de retalhos, de gosto duvidoso e de conhecimento musical idem, uma sopa de feiticeiro onde se mistura um pouco de tudo. O resultado é intragável, mas, em virtude do seu baixo custo, é usado nos dias de hoje com freqüência, sobretudo nas novelas de TV e em produções cinematográficas de poucos recursos.

Em meados dos anos 30, a partitura do vienense Erich Korngold para o filme Captain Blood explode nas telas com força jamais vista e modifica radicalmente a situação. Korngold, compositor do estilo Richard Strauss, escreve uma trilha extremamente descritiva e rica, que comove as platéias do mundo, atraindo a atenção dos produtores que passam, então, a acreditar e a investir em música de filmes.

Aos poucos, novos equipamentos e novas técnicas de gravação vão sendo criados, engenheiros e músicos trabalham incessantemente em busca da perfeição. A trilha sonora transforma-se em projeto complexo, com um mecanismo e vocabulário próprios, ofício de especialistas. Descobre-se que a música pode e deve ser feita literalmente sob medida para cada cena, produzindo, assim, efeitos fantásticos, totalmente sincronizados com as imagens, acentuando, sugerindo e enfatizando emoções. Este novo método tem como base a velocidade do filme de 35mm -24 fotogramas por segundo – e faz uso de um inverno revolucionário: o click track, uma trilha de cliques, espécie de metrônomo gravado em fita magnética e sincronizado com o filme. O som regular dos cliques indicam o andamento correto e a duração exata de cada trecho musical. Usado com habilidade, o click track dá ao compositor a possibilidade de acentuar, com precisão absoluta, qualquer fotograma desejado – as seqüências musicais tornam-se verdadeiras composições, com início, meio e fim. São abolidos os fades, a música agora pertence às cenas. O compositor de filmes, a partir de um roteiro detalhadíssimo, comumente chamado de bíblia, faz cálculos, escolhe o andamento mais adequado para cada cena, anota na partitura a minutagem e os pontos críticos de acentuações. Só então começa a compor. É trabalho de paixão e paciência e que depende fundamentalmente da qualidade tecnológica em suas várias etapas: gravação, mixagem, transcrição para o ótico, revelação e a reprodução das salas de cinema. Se não houver cuidado ou competência, o som de um instrumento como o fagote, por exemplo, perderá progressivamente as suas cores até se transformar em alguma coisa parecida com o som de um flauta de bambu rachada.

Numa das cenas iniciais de Era uma vez na América, de Sergio Leone, um gângster atira num punching ball colocado a milímetros da cabeça de sua vítima. O ruído da bala penetrando o couro e o do ar sendo expelido invadem a sala de cinema e potencializam a violência das imagens, fazendo com que o espectador participe quase que fisicamente da cena. Isto é possível graças ao dolby-surround, sistema de som implantado por George Lucas para o seu filme Guerra nas estrelas. O DoIby SS é, na realidade, um sistema dividido em quatro canais: esquerda, direita e centro(dianteiros) e um canal de surround, no fundo da sala, cujo objetivo é o de reforçar a percepção de “localização” do som. Trocando em miúdos, o espectador fica cercado pela informação sonora. O sucesso é absoluto.

Mas muito pouca gente sabe que o surround está completando exatamente 50 anos de existência. Walt Disney foi o primeiro produtor a arriscar tempo e dinheiro na novidade, que na época tinha o nome de fantasound, criado para um desenho animado de longa metragem chamado Fantasia aquele do balé de elefantes ao som da Sagração da Primavera. O sistema funcionava com dois filmes projetados simultaneamente – um com as imagens e o outro com quatro pistas de som. O filme, um clássico hoje em dia, naufragou.

Com a recessão posterior à Segunda Guerra somada ao fracasso de Disney, não se tocou mais no assunto, até que, assustados pelo sucesso crescente da televisão, que afastava o público do cinema, dois produtores de Hollywood contra-atacam com o Cinerama: uma tela enorme, som em seis pistas, quatro projetores, muitas matérias na imprensa, mas quase nenhum resultado; o sistema era caro, difícil e foi aos poucos rejeitado pelos donos de cinemas.

Para competir com a televisão, os filmes tinham que se tornar eventos capazes de atrair o público sem criar problemas técnicos para não assustar os exibidores. A solução veio com o CinemaScope, o primeiro processo sofisticado que se tornou realmente popular. Depois, outros sistemas apareceram: o Todd-AO, com tela de 70mm, o PerpectaSound, todos tentando conseguir com novas técnicas de gravação e de reprodução – o que já existia para a imagem: o close-up, a aproximação. o máximo de resultado. E George Lucas consegue, com seu Guerra nas estrelas, de 1977, tudo isto e mais um pouco, utilizando o sistema dolby, de redução de ruídos, somado ao surround. Os sinais consistem de quatro canais de som: esquerda, direita e centro(dianteiro) e um canal de surround, colocado no fundo da sala, cujo objetivo é o de reforçar a percepção da localização do som. Trocando em miúdos, o espectador fica cercado pela informação sonora produzida pelo dolby-surround. O sucesso é absoluto.

Chegou-se à conclusão, nos países civilizados, de que a qualidade da banda sonora é elemento importantíssimo para o sucesso comercial de um filme. Seja ele Rambo, Ran, Sexta-feira treze ou Do the right thing, é preciso investir, sem avareza, na superqualidade. Porque o público absorve rapidamente as novidades e exige cada vez mais.

No Brasil, a situação é diferente. Apesar de existirem estúdios de alta qualidade técnica, como os do Álamo (em S. Paulo), os da Fundação do Cinema Brasileiro e os da Som Livre (Rio), na maioria das vezes os produtores evitam os processos mais sofisticados, por serem mais dispendiosos. Quer dizer, nadam, nadam e morrem na praia. Fagote vira bambu, violino vira rabeca; para que trilha, para que músicos, para que o esforço de tanta gente? É bem verdade que as salas de cinema são quase todas precariamente instaladas, mas isto não pode servir de desculpa. Filmes como O romance da empregada, de Bruno Barreto, Dias melhores virão, de Cacá Diegues (gravados no Álamo), e Faca de dois gumes, de Murilo Salles (gravado nos estúdios da Fundação), são de qualidade técnica impecável, prontos para competir em qualquer mercado. Este custo a mais é indispensável para a saúde artística e comercial de um filme, é a garantia da qualidade do trabalho de diretores, de roteiristas, de atores, de técnicos, de músicos, os engenheiros de som. Porque, em cinema, talento sem dinheiro é mico-preto.

Cadastre-se

Receba conteúdos exclusivos e novidades por e-mail.