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Textos de amigos e músicos do artista.

O Salto Certeiro de Edu

João Marcos Coelho

Na contracapa de “Jogos de Dança” – LP recentemente lançado pela Som Livre – o responsável pela composição, arranjos e regência classifica sua obra de “um salto no escuro”. De fato, a se julgar a produção anterior do carioca Eduardo de Góis Lobo, ou Edu Lobo, “Jogos de Dança” representa não só um rompimento com a chamada canção curta, de largo consumo popular, mas o início de um novo trajeto Não chega a ser um “salto no escuro”, porque Edu – autor de grandes sucessos nos anos 60, com “Ponteio”, “Arrastão”, etc. – decidiu passar da cena para os bastidores durante a década passada. Após dois anos em Los Angeles, quando estudou orquestração com Albert Harris. Edu voltou optando, em 1971, por trabalhos mais extensos, típicos de quem almeja vôos mais ambiciosos na composição (como a trilha sonora do filme “Barão Otelo no Barato dos Milhões” e as composições e arranjos da montagem teatral de “Woyzeck” de Buchner). É sintomático que seu disco de 1973 tenha sido preenchido com uma “Missa” e que nos dois anos seguintes tenha trabalhado como arranjador para Rede Globo, fazendo trilhas sonoras para os “Casos Especiais”.
“Jogos de Dança” foram compostos para o Ballet Guaíra, de Curitiba, e estrearam no Teatro Guaíra há exatamente um mês, com coreografia original de Clyde Morgan e cenários e figurinos de Naum Alves de Souza. A música, no entanto, sustenta-se sozinha com admirável densidade. Edu a classifica como “um exercício livre de sons, frases melódicas e cadências”. Realmente, ele manipula durante os seis jogos, estruturas-núcleos e as desenvolve tanto a partir de combinações instrumentais como em função de enriquecimentos timbristicos.

As formações instrumentais assemelham-se bastante às da big band do jazz, com até treze músicos e muitos metais. O maior triunfo de Edu Lobo é, porém, abandonar o fraseado jazzístico. As junções dos metais nunca Iembram, ainda que de longe, as famosas bandas americanas como as de Duke Ellington, Count Basie. Woody Herman ou Stan Kenton. Há uma inconfundível ginga brasileira no modo de tratar e escrever para cada instrumento – algo que o estupendo Severino Araújo e sua Orquestra Tabajara jamais obtiveram, porque limitaram-se a “colar” ritmos brasileiros à harmonia das big bands.

Em “Jogo Um”, por exemplo, a presença do clarone de Leo Gandelmann é importantíssima para a obtenção de sonoridades originais; “Jogo Dois” quem sabe seja a mais jazzística peça, muito em função do improviso belíssimo de Hélio Delmiro na guitarra; “Jogo Três” beneficia-se do fraseado original do solista Mauro Senise no sax-soprano; “Jogo Quatro” faz de uma pequena célula melódica o núcleo da faixa mais balançada do disco. “Jogo Cinco” é uma reflexão lírica: e, finalmente, “Jogo Seis” promove espaço para o excelente tecladista Antônio Adolfo (aquele mesmo que inaugurou a onda dos discos independentes com o “Feito em Casa”).

É inegável que grande parte do resultado excepcional do disco deve-se aos músicos utilizados que sem dúvida estão entre os melhores em atividade no Brasil. A característica mais significativa de “Jogos de Dança” – na realidade uma mutíssimo bem urdida “suíte” instrumental – entretanto, é a fulgurante habilidade técnica e criativa de Edu Lobo. Daqui para a frente, se lhe derem condições de trabalho iguais à deste disco (bancado pela Fundação Guaíra), Edu adensará cada vez mais sua criatividade, neste ousado e compensador “salto no escuro”, na busca infinita da “arquitetura dos sons”.
“Jogos de Dança”, suíte em seis movimentos composta, arranjada e regida por Edu Lobo para o Ballet Guaíra, da Fundação Guaíra, de Curitiba; LP Som Livre, patrocinado pelo governo do Estado do Paraná.

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